Campanha do Projeto Bastê "Meu Outro Olhar" é uma campanha com o apoio da Prefeitura de São Paulo e da Secretaria dos Direitos Humanos e Cidadania da cidade de São Paulo que tem o objetivo de levar força e esperança às mulheres que ainda encontram-se dentro de relacionamentos abusivos e não conseguem se desvencilhar devido à dependência emocional.
A campanha consiste na projeção de um vídeo desenvolvido pelo Projeto Bastê, com 9 sobreviventes de violência doméstica, gravado na Casa da Mulher Brasileira, em São Paulo, onde estas sobreviventes transmitem força e positividade através do olhar, enquanto no vídeo, uma poesia que fala sobre força e acolhimento, se intercala na tela com as imagens.
O vídeo foi projetado em prédios específicos da cidade de São Paulo, e aqui neste site você conhece a história de cada uma destas mulheres.
Ficha Técnica:
Thaís Santesi
Direção Geral, coordenação, produção, edição e texto (poesia):
Diretora Geral e fundadora do Projeto Bastê, produtora de vídeo e terapeuta integrativa.
Dimas Barbosa Araujo
Transcrição da história das mulheres para este site em linguagem literária:
Escritor, publicitário e diretor geral de comunicação do Projeto Bastê
Silvana Oliveira Phoenix
Coordenação Comercial
Madrinha e Diretora de assuntos corporativos do Projeto Bastê, palestrante e ativista
Dra. Bruna Teixeira
Assessoria Jurídica
Advogada e diretora Jurídica do Projeto Bastê
Fábio Soldá
Desenvolvimento da logo da campanha:
Agradecimentos:
Prefeitura de São Paulo
Secretaria de Direitos Humanos e Cidadania de São Paulo
Casa da Mulher Brasileira
CONHEÇA A HISTÓRIA DAS MULHERES QUE APARECEM NO VÍDEO QUE FOI PROJETADO:
Silvana Oliveira Phoenix
O álcool caiu todo de uma vez encharcando seu corpo. Naquela fração de segundos ela sentiu o corpo ardendo, queimando, tinha certeza de que em seguida vinha o fogo. Não veio, mas também não houve tempo para sentir qualquer alívio; a dor imaginária transformou-se em real falta de oxigênio provocada por mãos fortes ao redor de seu pescoço frágil; elas apertavam e apertavam; o ar faltava e faltava. Sentiu medo, muito medo mesmo. E esta foi a primeira vez.
Mal ela sabia que aquela dor e aquele medo se transformariam em pavor crescente e dor implacável. Foram 20 anos fazendo com que seu corpo adquirisse marcas e sua alma se dilacerava. Durante esse tempo todo foi espancada, violada e desacreditada, humilhada. A cada tapa, pensava que em algum dia iria morrer. Não morreu, exceto por dentro.
Uma reflexão neste ponto é importante. A bem da verdade, essa história foi muito estranha, esquisita mesmo, desde o começo. Trabalhavam em uma mesma empresa e certa vez foram a um passeio da firma. Pronto, após uma troca de olhares e outra, ambos se notaram. Nas palavras da própria Silvana, “ele gostava de gordinhas”.
Como em todo começo, tudo era alegria e felicidade. O ciúme, ciúme louco, apareceu, mas iludida, Silvana creditou esse comportamento ao amor. Mas, desde o dia em que começaram a namorar, a vida dela foi mudando completamente: o modo de se vestir, o cabelo, cor de esmaltes e até as amizades.
Em pouco tempo, a transformação se consumou. Era outra pessoa, tornou-se uma dependente emocional, vivia com medo, mas sentia-se presa a ele que se mostrava carinhoso entre um ramalhete de flores e uma declaração de amor. Assim como os impropérios como louca, burra e outros qualificativos.
Foi quando Silvana recebeu a terrível notícias, um câncer surgiu em sua vida.
Não há como negar que ele cuidou dela, e conquistou tamanha gratidão que ela tinha certeza de que era eterna. A relação melhorou, mas só por algum tempo. As desconfianças de que Silvana tinha outro homem em sua vida a transtornavam, mas como se podia imaginar tal absurdo? Ela sorria para todos, mas internamente era uma pessoa infeliz. Não era o que ela pretendia, mas a imensa tristeza se estampava em seu rosto.
As coisas só pioraram. Em algumas vezes, manipulador, ele a envolvia com elogios e a apoiava em tudo o que fazia. Mas as demonstrações de carinho se misturavam com agressões, palavras duras, xingamentos. Silvana apanhou muito na cabeça; um sinal dentro de seu crânio detectado por exames, sempre permanecerá. Ao final da relação ficou com problemas de audição por quase um ano devido aos murros que levou nos ouvidos. A prática excruciante sempre vinha acompanhada de um clichê: "dói mais em mim do que em você". Aquele cinismo, era mais sentido do que os próprios espancamentos, porque doía na alma.
Dia 08 de março de 2020. Silvana percebeu que se não deixasse aquele vínculo, estaria morta. Mas ela queria muito viver. Arrumou suas coisas e saiu daquele inferno tenebroso, para nunca mais voltar. Disse adeus para o sofrimento e pode sentir de novo algo que lhe fora roubado há duas décadas: o ar fresco e a paz.
Tudo consumado e finalizado, o sujeito continuava a declarar: "você é a única que eu amei". Acredite quem quiser.
Passada a ressaca da liberdade, recusou-se a viver pelos próximos anos chorando, com dó de si mesma. Decidiu partir para ação e evitar, no que lhe fosse possível, que outras mulheres passassem pelo que ela passou por tanto tempo. Assim fez; e assim faz.
Altiva, cabeça erguida, renasceu de seus próprios escombros. Assim como a Fênix, que hoje leva em seu nome.
Silvana Phoenix, 56 anos – A mulher que em gesto catarse raspou os cabelos em praça pública da cidade de Barueri, São Paulo, demonstrando a força da feminilidade consciente. Tornou-se mentora de inteligência emocional e militante da causa.
.
.
.
Isabella Falce
Sonhar.
Sobretudo com o primeiro amor, experimentar sensações até então apenas imaginadas. Sonhar e imaginar. Assim é o pensar adolescente. Assim era o pensar de Isabella aos seus 16 anos. Inesperadamente despertou, docemente. O encantamento explodiu em milhões de cores, como em forma de fogos de artifício. O príncipe – chamado Cadu – chegou sorridente e lindo. O conto de fadas ia começar.
A distância de 400 e tantos quilômetros acrescentava um ingrediente ainda mais romântico ao sonho que continuava a ser sonhado. A garota morava em São Paulo, e seu príncipe dos tempos modernos no Rio de Janeiro. O reencontro era sempre frenético, fantástico. A felicidade emergia de todos os poros. Afinal, como se diz, uma garota precisa ser feliz.
De repente um estrondo. Isabella parecia ter despertado. E a primeira decepção da vida a transformou instantaneamente em mulher. Fora traída. Descobriu que Cadu namorava há oito anos com outra mulher. O castelo, o seu castelo encantado, ruiu. Romperam.
Anos se passaram. Até seus 20 anos, vida que seguiu; até cursou uma faculdade. Mas, eis que como em uma nuvem de fumaça repentina, a figura de Cadu se materializou em sua frente. Aquela chama reacendeu com intensidade jamais vista. Seu coração pulsou forte. Seus olhos cegaram frente ao brilho devastador que emanava dele. Reataram.
Dela ele conseguia tudo usando a técnica comum à que todos os manipuladores fazem, o que ficaria claro muitos anos depois: até conseguir seu objetivo, o sujeito mentia, prometia tudo e depois não cumpria. Ainda assim, inebriada por aquela paixão avassaladora a mulher como que voltando a ser menina a tudo perdoava. Até que – surpresa! - aconteceu nova traição, ele escondia um filho. Após muitas brigas ele retornou ao Rio de Janeiro e não se falaram mais. Romperam.
Bem, o fim havia mesmo chegado. Isabella, enfim, estava curada. Estava?
De novo ela teve de se reconstruir. E assim foi. Novo namorado, depois noivo, depois sócio em um apartamento e num escritório. Consequência natural, o casamento marcado. Sabendo disso, Cadu mais uma vez voltou, repentinamente, como sempre. Novamente cega, um sentimento transcendental fez com que cedesse. Renunciou a tudo: noivo, apartamento, escritório. A vontade de ficar com seu amor era imensa. Nada, nem ninguém a faria desistir. Reataram.
Mas, o script voltou com as mesmas páginas amareladas. Nova volta, nova decepção e nova separação, desta vez por nove anos. Nesse período a máquina Cadu teve mais dois filhos, agora eram três meninos.
Agora sim, fim de jogo? Quem disse não, acertou na mosca.
Tempos depois - adivinhe – seu príncipe torto apareceu de novo. E sim, você adivinhou novamente: reataram. O que Isabella não sabia é que ele tinha outra namorada, grávida como não poderia deixar de ser. Era o quarto filho, aliás uma filha, da máquina reprodutora chamada Cadu. Após tomar conhecimento disso, tentou de todas as formas se distanciar, mas em vão. Ele se mudou para São Paulo e não a deixou escapar. Sem saída, Isabella saiu da casa de seus pais e foi morar com seu namorado pisca-pisca. Foi um martírio. Ele se comprometia a arrumar emprego, mas evidentemente era balela, as despesas continuavam a ser bancadas por ela, até mesmo a pensão para uma das crianças ela pagava. Até que, como era inevitável, o dinheiro acabou de vez.
Isabella se tornou uma pessoa sem identidade; moldada ao gosto de Cadu. Não usava mais maquiagem, não arrumava os cabelos e muito menos podia pintar as unhas da cor que gostava ou até mesmo passar perfume. Não saía de casa. Junto com a vaidade, perdeu a vontade. As agressões corporais, psicológicas e sexuais se tornaram parte integrante de seu perverso cotidiano – a palavra não perdera o sentido, “não” não mais significava não. Com se não bastasse, o algoz procurava destruir tudo o que lhe dava um pingo de felicidade. Até seu cãozinho era objeto de constante sofrimento causados pelos intensos maus tratos sem qualquer arrependimento.
A fúria e o cinismo vinham por todos os lados. Cadu a expunha e dela desdenhava em público. Para outras pessoas, numa clara demonstração de violência moral, ele simplesmente a reduzia a pó. O conto não era mais de fadas, mas de terror.
O final da história não é trágico como era de se imaginar, porque contra todas as expectativas, Isabella despertou mais uma vez, só que do gigantesco pesadelo de traições, agressões, avisos, idas e vindas. Finalmente conseguiu se libertar do nada ficcional o verdadeiro monstro Cadu. Rompeu. Agora, definitivamente.
Isabella deixa um recado para outras mulheres que como ela sofrem desse tipo de paixão tóxica e destruidora. “Eu consegui me libertar de um homem extremamente manipulador e abusador. E se eu consegui estar viva para que você soubesse dessa história, você que está passando por isso também tem forças para sair desse lugar de dor. Atentem-se aos pequenos sinais e acreditem em vocês. Para tudo há uma saída, exceto quando não saímos do lugar”, diz ela.
Fim de jogo. Para sempre. Isabella Falce , agora com 38 anos é escritora e autora do livro autobiográfico “Intoxicada por um Relacionamento Abusivo”.
.
.
.
Núbia Ester da Rocha
Núbia sempre foi uma pessoa bem humorada, sorridente e sem dúvida, feliz. Até que um dia uma grande sombra se abateu sobre ela em pleno ambiente de trabalho: alguém a beijou à força. Reagiu com indignação. Parecia-lhe evidente que qualquer pessoa com um mínimo de bom senso e inteligência reprovaria veementemente esse tipo de comportamento. Encorajada por aquela obviedade denunciou a agressão para a empresa.
O resultado foi tão inesperado quanto o tal beijo: foi imediata e sumariamente demitida. Teve novamente, currículo embaixo do braço, bater perna, como se diz, para procurar um novo emprego, com o agravante de que a cada entrevista, toda aquela série de acontecimentos surrealistas.
Rapidamente descobriu que era difícil para que outras pessoas, em grande parcela, entendessem a gravidade da situação. Todo o acontecido, seguramente era culpa dela mesmo, por seu jeito provocativo de ser, afinal de contas foi só um "beijinho roubado". Só?
O chamado "beijo roubado", então, não é agressão? E o barulho do silêncio, determinado por uma lei não escrita, faz-se absolutamente ensurdecedor. Nem é de se admirar esse tipo de cegueira social que é capaz de minimizar até o estupro, considerando, como regra informal, mas dura, também culpa da mulher. Sempre dela. Essa culpa é invariavelmente cruel e isso ela sentiu.
No primeiro momento, Núbia se sentiu sem rumo, não sabia o que fazer. Até se questionava, se aquilo realmente tinha acontecido com ela. Será que deveria tomar alguma providência já que, pelo que já tinha percebido desde logo, a impunidade é grande, enorme. "Tudo bem vou discar 180. Mas e o resto? Não vai acontecer nada, mas fui eu quem denunciou", pensava.
Com o turbilhão de pensamentos a assolar sua mente, veio a estupefação, afinal, concluiu, era a vítima. Ela tinha sido beijada à força. Ela tinha sido punida injustamente. Não tinha como não cair nas garras da tristeza e do abatimento.
Caia rumo ao fundo de um poço escuro que parecia não ter fim. Mas reagiu e começou a escalar as paredes do buraco no sentido inverso, rumo à luz que percebia quando erguia a cabeça. Recebeu grande ajuda nessa escala, o Centro de Cidadania da Mulher que lhe foi fornecendo energia suficiente para que finalmente saísse daquela situação desesperadora. Agradece a Deus por isso.
Ali, naquele equipamento social, pôde finalmente reconhecer a verdade. Porque, antes de tudo, foi acolhida com carinho. Ninguém jamais pôs em dúvida o seu relato, nem tentou minimizar a gravidade do que ele continha. Ao contrário, foi incentivada a falar, falar de tudo, inclusive de seus sentimentos contraditórios.
Teve acompanhamento em várias áreas, em especial o psicológico, que recebeu por parte da própria coordenadora do CCM. Lembra-se de que em uma das consultas revelou que até pensou, ou até mesmo quis, raspar a cabeça porque, acreditou que caso se fizesse menos bonita e se descaracterizasse como mulher, coisas como as que lhe aconteceram, não voltariam a se repetir. Claro, percebeu depois que esse impulso autodestrutivo não encontrava respaldo na verdade, ela poderia sim, ser como sempre foi e Núbia passou pela tristeza de desejar ser menos, para a escuridão e evitar seus efeitos devastadores.
Mas, aprendeu que alegria e descontração, não é um sinal de “sim”. Essa maneira de ser não autoriza quem quer que seja a entrar no seu corpo, na sua alma, ou mesmo para segurá-la e tocá-la sem sua permissão. Não, definitivamente, o seu sorriso não é um sim. Não é um sinal de que se pode avançar.
Com resultados perceptíveis a mente de Núbia se apaziguou e ela, depois de tanto tempo, de tanta luta e contradição internas, sentiu-se feliz, muito feliz.
Tudo isso fez com que ela formasse opinião firme sobre vários aspectos relativos à prática de comportamento abusivo. Ela diz com suavidade, mas também com veemência:
"Os homens precisam ser reeducados, porque o nosso não, é não. E também não quando as mulheres ficam em silêncio. Eles simplesmente não podem nos carregar para a bagunça de seus sentimentos.
Não dá para pensar que o assédio ou violência acontece por você ser livre, por ter um cabelo solto, por sorrir, enfim, por seu jeito de ser. Não, não foi o seu jeito que fez isso: foi ele quem fez. Buscar um erro de outro em si mesma é injusto.
Se você olhar bem a minha história, analise: o que realmente eu fiz de errado? Absolutamente nada; andei corretamente, íntegra, honesta, sincera, capaz, boa profissional. Então a responsabilidade pelo que aconteceu, foi de quem?
A mensagem que quero deixar para as mulheres é a de que podemos fazer o que for, nós nunca vamos deixar de ser femininas, nunca vamos deixar de sermos mulheres. Não há nada de errado com você, mulher. Não é o seu sorriso, não é o seu cabelo solto, não é a sua saia curta. Você não precisa trocar de roupa. São eles que precisam parar, precisam ser reeducados, essa baderna comportamental é deles. E se o problema não está em nós, não devemos e nem temos que resolvê-los.
Da nossa parte, quando algo dessa espécie acontece, temos que denunciar, sim! Pode parecer uma gota de água, pode dar a impressão de que não advirão consequências. Mas, mesmo que no início esse descrédito mostre razão de ser, essa sua gota vai se juntar a muitas outras gotas até formar um oceano.
É muito importante saber que esse oceano que já existe e é formado por milhares de mulheres, já produziu muitas ondas altas com resultados positivos. Já existem leis contra importunação sexual, existem oportunidades para nossa livre manifestação, existem campanhas e um pouco mais de informação.
Então, vamos continuar denunciando, vamos juntar mais gotas ainda, porque por maiores que sejam as vitórias que tenhamos elas ainda serão insuficientes dadas as proporções do que nos vitima. Precisamos fazer isso para que o barulho do nosso grito seja ouvido. Isso certamente ajudará a criar outros projetos, inclusive em relação a situações que acontecem no trabalho, onde todos devem ser reeducados. Porque embora sejamos o alvo principal, homens também são assediados insidiosamente.
Não sei se será suficiente que eu diga a vocês que são lindas e que vão conseguir. Mas posso dar o testemunho de que, apesar de todos os momentos difíceis que passei, saí daquela situação, aprendi um outro lado, descobri um outro olhar. E esse meu novo olhar fez com que eu enxergasse que nós não somos o crime que cometeram conosco, não somos o sofrimento que nos impuseram e nós simplesmente não podemos aceitar que não nos cabe, que nos vejam e nos tratem como se efetivamente o fossemos.
Finalmente, fica aqui o meu convite: fortaleçam-se e lutem. Ainda mais.
Núbia, 29 anos, formada em Letras e empreendedora.
.
.
.
Marcia Zeneze
Depois de três anos de um casamento tranquilo e aparentemente bem-sucedido, a bebida entrou em campo e o marido da relação, um homem com 1,92m e muito forte, rapidamente se tornou um alcoólatra.
Do vício até a violência física e extrema foi um passo. Márcia conheceu um outro homem, transfigurado em torturador. Empurrões, tapas no rosto, socos em várias partes do corpo. Tudo isso temperado com grandes doses de xingamentos e ofensas. E as filhas pequenas assistindo à tudo isso para desespero da mãe.
Certa vez, nossa heroína estava trabalhando em seu computador. Sem mais recebeu do contumaz agressor um tapa no rosto. A força até não pareceu tão forte para quem já estava acostumada a tanto sofrimento físico. Mas foi suficiente para quebrar o nariz.
Por alguma razão, todavia o indivíduo de quem falamos, jamais encostou suas mãos nas crianças. Fosse assim Márcia não teria aguentado tanto. Até porque, com sua autoestima levada a zero, nem se importava consigo mesma, de quem sequer gostava mais.
As agressões continuaram firmes e fortes até o décimo ano do malfadado casamento. Márcia enfim, não suportava mais e por fim tomou a decisão adiara por tanto tempo: separou-se. Só que não foi um ato definitivo, apenas uma curta pausa. Seis meses depois ele estava de volta, 20 quilos mais magro e repleto de carinho e declarações de amor eterno.
Ela acreditou. Não chegou ao paraíso como, iludida, havia imaginado. Apenas voltou para o mesmo inferno de sempre. Com o tempo, talvez pela grande decepção, por se sentir ludibriada, Márcia começou a engordar. E quanto mais engordava, mais era agredida, agora com palavras, implicância e demonstrações de arrogância explícita.
Além de tudo, seu sofrimento era silencioso. A única vez que tentou desabafar com uma amiga, o que recebeu de volta foram comentários velados de crítica e decepção. Nunca mais suas agruras críticas foram compartilhadas com outras pessoas a título de desabafo.
Tempos depois, por mero acidente, havia deixado sua amada cachorrinha do lado de fora da casa ao fechar o portão de casa; o bichinho morreu por afogamento na casa vizinha. O sofrimento pela perda foi cruel. Entretanto, o apoio de seu, digamos, companheiro, foi culpá-la pela morte do animalzinho, sua filha de quatro patas, dizendo que algo semelhante tenderia a acontecer e piorar, porque ela, Marcia, estava ficando velha. Para além de qualquer tapa, soco ou agressão verbal, ela sentiu com se um dardo venenoso lhe tivesse lhe trespassado o coração. Foi o jorro d’água que fez com que o copo transbordasse de vez. A mulher, mãe e esposa fiel e resiliente, após 29 anos de casamento deixou as trevas com a certeza de que jamais voltaria a elas.
Com a dor pela perda da companheirinha peluda, Márcia perdeu dez quilos. Depois mais 30, por uma única razão: descobriu com o amor-próprio restaurado, a beleza que até então o espelho nublado por tanto sofrimento, passou a demonstrar com grande nitidez.
Atualmente, suas filhas, aliás muito felizes em seus casamentos e os cinco netinhos, moram na Austrália. Deixaram a casa dos pais e o País, muito provavelmente para fugirem de lembranças tão tristonhas. Apesar da distância o imenso amor recíproco as aproxima o que para Márcia representa simplesmente...tudo.
Macia atualmente, 54 anos é empresária de sucesso no ramo automotivo e apresenta palestras voltadas para mulheres vítimas de abuso.
Aos 54 anos, Márcia Zeneze é uma mulher feliz.
.
.
.
Tamires Cristina
Os pais de Tamires separaram-se quando a garotinha tinha apenas um ano. Tempos depois, sua mãe conheceu um outro homem; foram simplesmente 20 anos de relacionamento abusivo.
Claro que o sofrimento provocado por aquele calvário não se restringiu à menina - cujas lembranças só ficam claras após os seus dez anos - e à mãe, torturada por aquele abusador. Toda a família padeceu do mesmo suplício, em especial Tamires que, não raro, recebia visitas noturnas carregadas de abusos.
Nem seria difícil de imaginar, o tal cavalo das trevas, traía a esposa e era dependente alcoólico, além da cerejinha do bolo: as drogas. Essa mistura, não há como não se concluir, contribuiu e muito para aquele comportamento de absoluta insanidade. Aos poucos, tudo intensificava chegando a graus demoníacos. Claro que em geral, eventuais testemunhas se escondiam atrás da máxima "em briga de marido e mulher, ninguém mete a colher" e abstinham-se de interferir.
Até seus 20 anos, Tamires era simplesmente impedida de ter qualquer contato com o sexo oposto. Namoro era definitivamente proibido. Exceto quando, aquela versão masculina da bruxa da floresta, permitiu o namoro com um rapaz talvez por pura identificação como se constatou um pouquinho mais à frente.
Um belo dia - antes tarde do que nunca - tudo acabou, a mãe se separou finalmente daquele que não fora bem um marido, mas um carrasco de sonhos. E exatamente no mesmo belo dia, tudo começou. De novo. Ou seja, a história se repetiu. Não mais com a mãe; desta vez com a filha.
A vida com o namorado por perto pareceu um bálsamo muito bem vindo. O rapaz ajudou - e muito, diga-se de passagem - no alívio dos inúmeros problemas financeiros advindos da separação, como a possibilidade de passar fome.
Mas toda essa benevolência ao final mostrou sua face verdadeira. Não demorou, já conhecedor profundo de seus sentimentos já nocauteados por uma vida repleta de sofrimentos e angústias, ele começou a manipular a namorada. Era uma ação velada, invisível à percepção dos outros. O assédio era nitidamente psicológico. Ele fazia com que Tamires acreditasse que não tinha amigos, que ninguém queria vê-la; e logicamente, a culpa por isso era dela, exclusivamente dela. Quando ela meio que desperta tinha vontade de ir a algum lugar, fazer algo diferente, o namorado a impedia solenemente. Mais uma vez, adivinhe quem era de novo a culpada?
Garoto esperto, o rapaz jamais a proibiu de usar qualquer roupa. Nem precisava, o vestido não combinava com ela, a blusa era feia demais e aquela camiseta chamava muito a atenção e ele não gostava disso nem um pouco. Aliás, pessoa retraída que era, jamais quis chamar a atenção, ele sabia disso e disso se aproveitava.
E se aproveitava também de seu patrimônio. Junto e misturado, o dinheiro de ambos ficava nas mãos dele, assim como o cartão de débito da moça. Aliás, magnânimo, o tal namorado, jamais impediu que ela trabalhasse, em demonstração de pura benevolência. Era ele quem fazia toda a contabilidade, mas ao final era ela quem arcava com todas as contas. Se precisasse de dinheiro, por menos que fosse, ela tinha que pedir.
O telefone era controlado, o namorado tinha total controle do celular de Tamires e sutilmente, inclusive as mensagens que recebia e sobre as quais sutilmente questionava quando não eram destinadas a ele. Como se não bastasse, manipulador contumaz, por um lado fazia com que o amor da família fosse posto em descrédito perante ela, assim como sua imagem, desfigurada perante os familiares através de falsos indícios. Garantia dupla de isolamento.
Toda essa ação de sufocamento era quase imperceptível aos olhos de outras pessoas em razão da perfeita simulação da realidade e das teias que tecia. Até hoje, depois que ela se libertou e por algum tempo pôde respirar, conhecidos e familiares questionam sobre quais as razões que levaram ao final de um relacionamento tão feliz, afinal, ele era o homem da sua vida.
A bem da verdade até ela mesma já pôs em dúvida sua própria sanidade em relação a tudo isso. Foram seis anos de sofrimento que se somaram aos 20 anos anteriores.
Algum tempo depois, a menina sofrida tentou se reerguer com outro relacionamento, com um moço de uma outra cidade. Dessa vez finalmente ia dar certo. Mas sabe o que aconteceu? O gajo não deixava que ela falasse com os primos, os amigos, enfim. Mas desta vez, Tamires percebeu a tempo.
Tamires Cristina Ramos da Silva, 33 anos - Massoterapeuta e sobrevivente.
.
.
.
Celeste Maria
Que casamento maravilhoso o da Celeste! Que casamento modelo! Essa era a imagem que as pessoas, inclusive as mais próximas faziam da sua vida conjugal. Que fosse assim, perfeito! Mas esse conceito de vida em cor de rosa, estava muitos anos luz distante. Distante da realidade.
As primeiras manifestações de que as coisas estavam mudando foi quando ele insistiu que ela saísse do trabalho. Ela se demitiu ficando totalmente dependente dele. Com isso, tornou-se prisioneira na torre de seu próprio castelo, do qual não mais saía. Afastou-a dos familiares, dos amigos e do mundo.
A fase dois desse jogo maquiavélico foram as brigas horrorosas e os xingamentos pavorosos. Tudo regado a generosas doses de álcool que ele ingeria compulsivamente. E para complicar espetacularmente um quadro por si só já complicado, veio a pandemia e ele ficou desempregado.
Até que chegou o último dia do ano de 2021. Réveillon, muita festa e alegria! Para os outros, é claro. Não para Celeste: das duas da tarde até às dez da noite o homem a ficou ameaçando de morte. A tal ponto que ela teve de chamar a polícia.
Os policiais recomendaram que ela imediatamente saísse de casa com a filha de apenas 13 anos. E assim Celeste fez. Uma vizinha entrou em contato com o Serviço de Assistência Social à Família (SAF) que prontamente a encaminhou para o Centro de Cidadania da Mulher (CCM). Celeste não esquece: "sem o CCM eu não teria como seguir em frente. Eu só tenho a agradecer pela dedicação e empatia de todos as funcionárias dos CCMs".
Celeste Maria de Jesus, 48 anos, gladiadora.
.
.
.
Conceição Ribeiro da Silva
Meu nome é Conceição, tenho 59 anos e moro em Perus, São Paulo - Em 2002 sofri violência doméstica. O meu companheiro era alcoólatra. Ele me agredia psicologicamente. Até que um dia, ele me bateu.
Consegui sair rápido. No mesmo dia, separei-me dele, fiquei com os meus filhos. Logo uma amiga me indicou o CCM de Perús, a casa da mulher, onde fiz vários cursos na época, como o de depilação. Graças a Deus consegui me reerguer. Ajudei muitas mulheres. Trabalho como voluntária no CCM da minha cidade
Sou feliz, sou alegre. Com as minhas formamos um grupo de zumba chamado Let's Dance. Vamos lá dançar e nos alegrar. A gente faz piquenique, passeios.
Então, mulheres, não fiquem caladas. Não sofram, procurem ajuda. Existem várias pessoas que podem ajudar. Procure a família, procure uma amiga. Saia dessa vida! Já era essa vida ! Não nascemos para sofrer, mas para sermos felizes !
Aí fica o meu recadinho, meninas ! "
(*) CCM Centro de Cidadania da Mulher
.
.
.
Sílvia Pereira dos Santos
Eram muitas vielas estreitas. A escuridão da noite já caíra sobre os barracos que abrigavam pessoas vítimas das desigualdades da cidade. Não eram necessariamente tristes, apenas eram pobres, muito pobres.
Enquanto serpenteava pela comunidade, aqui e ali ouvia o barulho das pessoas nas minúsculas construções de blocos à vista ou de madeira. Choro de crianças, latidos de cachorros, som da televisão. Os botequins não ficavam nas esquinas, porque as esquinas não haviam, mas eram sempre lotados de gente jogando sinuca, bebendo cerveja ou dando um gole pro santo.
À medida que a mulher grávida, prestes a parir, andava, os sons iam ficando para trás, para trás. Enquanto isso seu coração se apertava e apertava, cada vez mais. Onde ele, o seu marido e pai da criança que em breve nasceria, estava? Era para estar em casa há muito tempo, mas já passara muito tempo e nada.
Uma vizinha ou outra pessoa qualquer indicou o endereço em que ele se encontrava. Era por alí. Sabia que o lugar tinha música, talvez um botequim como os que ela viu pelo caminho. Até que identificou o lugar de onde vinha o barulho. Não era um bar, mas um barraco que tinha a porta fechada. Fechada, não trancada. Ela empurrou e entrou. Foi surpreendida por uma mistura de sons de todos os tipos, feitos por instrumentos eletrônicos e por gente que não dava a mínima por estarem gemendo em várias frequências.
Foi aí que ela viu. E ele a viu também. O marido - pai da criança que nasceria, lembra? – ele estava em uma mesa, todo feliz, bebendo e acompanhado por três mulheres, dois de seus grandes e numerosos vícios. Ele se assustou obviamente.
Ao chegar lá, a mulher foi ao chão. Desmaiou. O irmão que estava passando por lá a socorreu e a deitou na cama. A mãe da mulher soube e disparou ao encontro da filha. Esbaforida, abriu a porta da casa - um quarto e sala - e encontrou uma cena inusitada. Gelou. A filha deitada e o genro aplicando a ela uma singela chave de pernas. Gritou, jogou todo o tipo de coisas, enfeites, copos, panelas, o diabo a quatro. Até que ele desfez o golpe e a liberou daquele sofrimento. Pelo menos por aquela noite.
Além de tudo, havia um agravante. A mulher agredida e traída já não comia. Em parte porque a criança que esperava estava em posição inconveniente para o parto e em parte, talvez a maior das partes, continuava a ser agredida pelo marido de maneira contumaz. No momento decisivo, a parteira conseguiu deixar o bebê na posição correta e o nascimento finalmente aconteceu. Era uma linda menina que foi batizada de Silvia. É triste pensar, mas a garotinha começou a sofrer agressões domésticas ainda no útero da mãe.
Três anos se passaram e a pequena Silvia teve que enfrentar a primeira das grandes agruras que ainda teria pela frente. Foi acometida por paralisia cerebral que afetou todo o lado esquerdo daquele corpinho tão frágil. Daí para frente cresceu padecendo da doença e testemunhando as atrocidades que o pai sempre infligiu à sua mãe. Eram ameaças de morte para quando as crianças estivessem dormindo, o que era reforçado pela faca que ficava sempre embaixo do colchão.
A menina dormia na parte de cima do beliche do quarto. Quando ouvia o choro materno, acordava sobressaltada e jogava, lá de cima, tudo o que pudesse estar à sua mão. Era o jeito de pará-lo. Isso fora o domínio financeiro. Não havia dinheiro para nada, exceto dentro de suas meias. Até que aos nove anos a pequena resolveu sair de casa para não apanhar.
Não dá para minimizar, a situação da menina Silvia era de sofrimento profundo. Tinha a impressão de que tudo conspirava para que a situação permanecesse e piorasse. Como da vez em que precisou embarcar em um ônibus e tentou subir porque o veículo arrancou antes que ela conseguisse seu intento. Ela caiu, mas no mesmo instante a porta se fechou sobre o seu lado esquerdo. O seu pé foi arrastado por quatro pontos de parada do coletivo. Consequência: seu lado esquerdo - o mesmo da paralisia, lembra? - ficou ainda mais prejudicado.
O tempo passou. A menina se tornou mulher. Conheceu um rapaz com quem iniciou uma relação na esperança de ter uma vida totalmente oposta à da mãe. Um ano depois teve seu primeiro filho. Natimorto. O segundo chegou a se formar, mas não nasceu. E o marido que deveria ser o oposto do pai mostrou a que veio: "você é pior do que um inseto, porque até eles conseguem gerar.” A dor foi imensa, assim como a dos infindáveis espaçamentos.
Mas as dores poderiam piorar. E pioraram muito.
Um ano depois, o grande golpe: um câncer. O marido entrou em pânico por medo de perdê-la e até ajudou a cuidar dela juntamente com toda a família. Mas foi por pouco tempo. Logo as sessões de pancadaria voltaram. Como daquela vez que ainda convalescendo da doença e portando uma sonda urinária, aquele a quem ela amava chegou, bêbado como sempre, empurrou-a tão fortemente que ela foi ao chão. Foi uma ação tão violenta que até o seu pai, especialista na área, quase o agrediu.
Mas, apesar de tudo, ela o considerava como o grande amor de sua vida. Como estava habituada, desde antes de nascer, com comportamentos masculinos daquela vil categoria, considerava toda essa violência como parte do kit-casamento, algo absolutamente normal. Por isso Silvia sempre e sempre o perdoava.
Até mesmo quando, a exemplo do que acontecera com sua mãe, descobriu uma traição e ela perdoou, mas não muito. Aquela marca ficou. Silvia começou a abrir um pouco sua mente para o que de fato estava sendo feito de sua vida. Muitas pessoas a aconselhavam a dar um basta a tudo aquilo. Mas ainda assim, aquela sensação de amor profundo, como um vício gigantesco, perdurava.
Até que certa vez, uns amigos o convidaram para um forró. Para isso ele revelou ter dinheiro ao contrário do que acontecia com as outras coisas. Ao voltarem para casa ele foi se deitar na sala e ela no quarto. Inesperadamente o nominalmente chamado de marido foi até o cômodo em que a mulher que ele apresentava como esposa dormia e arrebatou-lhe o cobertor. Com frio, ela tentou buscar um dos dois cobertores da casa, visto que ambos estavam com ele.
Tentou. Porque tomado de fúria incontrolável ele a espancou, esmurrou intensamente. Como vislumbre de defesa, ela tentou se apoderar de um enfeite de vidro que de pesado foi ao chão. Um dos cacos lhe feriu um dos dedos da mão. Ainda assim a tortura perdurou ainda por muitas horas. No dia tentou abrir o portão da casa, mas, debilitada, conseguiu apenas ferir outro dedo da mesma mão que ficou imobilizada.
Humilhada e ferida, sem poder sequer utilizar a mão para as coisas mais corriqueiras, aquele ser abominável disse cinicamente: "não me arrependo de nada, se pudesse faria tudo outra vez". Mas não parava por aí. Por causa de seu peso e por isso ele a chamava de foquinha. Então ela resolveu emagrecer, perdeu 18 quilos, mas o sujeito não lhe deu trégua. "Seus ossos estão me machucando na cama".
O homem (?) que já bebia tanto, somou o álcool às drogas, em consumo frequente. Os espancamentos continuaram, mas muito mais violentos, como se isso fosse possível. Até que ele lhe pregou uma mordida em um dos braços. E aquele amor venenoso (amor?) que já vinha se enfraquecendo a cada dia, não impediu que ela pela primeira vez chamasse a polícia. Decepcionantemente, só quatro meses depois um oficial de justiça apareceu para que ele fosse ouvido.
Ele então tentou [simulou?] suicídio tomando cerca de 40 comprimidos de uma substância entorpecente. Silvia ficou ali, no hospital, aguentando insultos, humilhações, palavras impróprias, enfim, aquilo parecia uma antessala do inferno. A própria psiquiatra que o atendia a aconselhou a tomar muito cuidado com ele. O tempo passou.
Ela chegou em casa. Havia certa penumbra. Não havia barulho. Tudo parecia estranho, não sabia direito porque. Foi quando o monstro surgiu à frente de Silvia. Trazia duas facas de açougueiro nas mãos. De repente ela sentiu a ponta de uma delas em seu peito. Com a outra ele espancava sua perna. A instrução era clara, mais clara impossível: "se você soltar uma lágrima vou te esquartejar aqui mesmo, em cima da cama". Nem ela mesma sabe como, mas o fato é que conseguiu escapar por alguns instantes, tempo suficiente para ligar para o celular de um sobrinho, pedindo socorro. O sobrinho foi, falou e falou, até que conseguiu a promessa de que ele não faria nada contra ela. Continuaram juntos.
Se você, como eu, já perdeu a conta de quantas vezes o nosso vilão chegou bêbado e drogado, pode acrescentar mais uma à conta. Naquelas condições deprimentes tentou atacar Sílvia com uma chave de fendas. Dessa vez ela não titubeou, ao invés de chamar o sobrinho ou alguém da família, chamou mesmo foi a polícia. Como que possuído, ele enfrentou os policiais em quem conseguiu acertar alguns socos, mas finalmente foi preso, mas solto na audiência de custódia.
Saindo de lá ele foi direto…para casa, é claro. A família dela se revoltou, tirou-o de casa e o levou para algum lugar do interior de São Paulo, onde parece estar até hoje.
Silvia conta que quando o marido saiu finalmente de casa ela chorou, chorou e chorou. Só que desta vez, de alegria.
Ela hoje diz que não quer, "nunca mais, dar chance ao sofrimento". "Quando eu posso ajudar uma mulher vítima de violência, não meço qualquer tipo de sacrifício", completa .
Seu sonho é perseverar nessa saga libertadora, adoraria fazer palestras nas escolas. Ela aconselha a todas as demais que como ela padecem do mesmo mal a irem embora sem pestanejar e jamais olhar para trás.
Nossa heroína, a garota que saiu da barriga da mãe já sofrendo de violência, a vítima de uma paralisia, a mulher de pés arrastados e quebrados, a esposa agredida e espezinhada de todas as formas imaginadas e não imaginadas, tem a força sobre humana de contar com um sorriso nos olhos: "Sou feliz, amo a mulher que me tornei, vivo aqui com duas cachorrinhas que são a minha alegria. As pessoas me perguntam se eu não me sinto sozinha, mas não, não me sinto. Aprendi, finalmente, a sorrir. Sorrir com o coração .
Silvia Pereira dos Santos, 52 anos. Vencedora.